sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O aprisionamento do instante: Marc Ferrez e o Brasil vitoriano

O século XIX foi o século no qual limites até então tidos como intransponíveis foram quebrados. A globalização do comércio e a industrialização dos métodos produtivos levaram a sociedade europeia a se reinventar. A necessidade de transportar matérias primas dos portos para as fábricas, e a mão de obra proletária de uma localidade a outra gerou a invenção de veículos velocíssimos para a época, como o trem e os navios a vapor, capazes de transformar viagens  que levavam meses, em trajetos percorridos em semanas. A subversão das distâncias incide, inevitavelmente, na subversão do tempo.  O tempo, como até então era concebido, regido pelo badalar dos sinos das igrejas, e dividido ao longo do ano pelas festas religiosas deu lugar à métrica mecânica e inexorável do relógio de bolso, e o calendário passou a evidenciar as datas cívicas, não mais as religiosas.

Um século de transformações como jamais havia sido visto. Se na virada do século XVIII para o XIX o absolutismo vigorava inconteste pela Europa, na primeira década do século XX quase todos os países europeus haviam adotado de uma forma ou outra, um regime constitucional, muito embora quase todos mantivessem aristocratas como Chefes de Estado. Nas artes plásticas o classicismo foi esmagado pelo impressionismo – a impressão pessoal sobrepõe o visão idealizada – na música fenômeno semelhante ocorre, Mozart, o perfeito compositor sob contrato, gênio a serviço das cortes monárquicas, infeliz e frustrado na sua vida pessoal, mas que compunha as mais alegres musicas de dança de salão para a aristocracia (embora fosse obrigado a entrar nos palácios pela porta dos fundos quando tinha que reger a orquestra, em festas aristocráticas)  é sucedido em poucas décadas por Chopin, um gênio de igual talento mas com uma diferença abismal para com seu antecessor, Frédéric Chopin compunha para si mesmo. A dor íntima e a nostalgia de sua terra natal expressas em seus noturnos e mazurcas são os sons do individuo que se expressa ao mundo enquanto figura única, não como instrumento ou representante de uma classe social em específico.

Transformações tão drásticas repercutiram fortemente no meio artístico, pois as artes nada mais são que o reflexo subjetivo do tempo em que são criadas. As novas necessidades e percepções estéticas provocaram o surgimento de uma forma de expressão até então inédita, a fotografia. A fotografia capta a realidade, encapsula o tempo e liberta a pintura, que não mais tendo o dever milenar de reproduzir em tinta a realidade pode alçar voos muito peculiares e pessoais (levando em consideração os avanços na área da psicologia, o século de Freud), Dali e Picasso talvez sejam os mestres da representação onírica e subjetiva na pintura, embora o movimento surrealista como um todo possa ser visto como a pintura voltada para a alma do autor, ao invés de voltada para fora, tentando capturar a realidade.

A realidade agora seria capturada à máquina. Em 1826 JosephNicéphore Niépce gravou, utilizando a luz do sol sobre uma placa de estanho coberta de um derivado de petróleo a primeira fotografia de que se têm notícias. Nas décadas seguintes a utilização de vapor de mercúrio para a revelação das fotos tornou o processo muito mais veloz, popularizando finalmente o processo de obtenção de imagens por fotografia dentro e fora da França.

No Brasil, um dos primeiros expoentes dessa nova forma de arte foi um carioca, descendente de franceses chamado Marc Ferrez. Suas obras constituem um rico legado visual de um Brasil que não mais existe e são portanto um portal para o passado. Fotografou zonas rurais e urbanas do país, especialmente de seu estado, o Rio de Janeiro entre os períodos finais no Império e o alvorecer da República.

Suas obras não possuem um tema central, retratam o Brasil como ele o era. Um interesse forte em temas que apresentam a vida urbana e as novas tecnologias são tão percebidos quanto as fotos que retratam paisagens naturais ou escravos em uma fazenda de café. De certa forma o Brasil de Marc Ferrez, onde o antigo e o novo se contrastam tão evidentemente não seja tão diferente do nosso Brasil.

Abaixo uma seleção de doze fotos de Marc Ferrez, sendo que algumas passaram por um rescente tratamento de colorização.

Vista do Pão de Açúcar tomada do morro da Urca
Data: 1912circa. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil

Morro do Corcovado
Data: 1912circa. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil

Pedra de Itapuca
Data: 1912circa. Localidade: Niterói, Brasil

O jardim de Rosas
Data: 1916circa. Localidade: Vichy, França

Panorama parcial do Rio de Janeiro
 Data: 1885circa. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil

Escravos na colheita do café
. Data: 1882circa. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil

Cais Pharoux e adjacências (atual praça XV de novembro)
 Data: 1880circa. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil

Largo de São Francisco de Paula
. Data: 1895circa. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil

Avenida Central (atual avenida Rio Branco)
 Data: 1906. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil

Ponte do Silvestre
Data: 1895circa. Localidade: Cosme Velho, RJ, Brasil

Rua do Ouvidor.  Data: 1890. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil

Vista do Pão de Açúcar.
Data: 1890. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil



Referências fotográficas
http://brasilianafotografica.bn.br

https://ims.com.br