O século XIX foi o século no qual
limites até então tidos como intransponíveis foram quebrados. A globalização do
comércio e a industrialização dos métodos produtivos levaram a sociedade
europeia a se reinventar. A necessidade de transportar matérias primas dos
portos para as fábricas, e a mão de obra proletária de uma localidade a outra
gerou a invenção de veículos velocíssimos para a época, como o trem e os navios
a vapor, capazes de transformar viagens
que levavam meses, em trajetos percorridos em semanas. A subversão das
distâncias incide, inevitavelmente, na subversão do tempo. O tempo, como até então era concebido, regido
pelo badalar dos sinos das igrejas, e dividido ao longo do ano pelas festas
religiosas deu lugar à métrica mecânica e inexorável do relógio de bolso, e o
calendário passou a evidenciar as datas cívicas, não mais as religiosas.
Um século de transformações como
jamais havia sido visto. Se na virada do século XVIII para o XIX o absolutismo
vigorava inconteste pela Europa, na primeira década do século XX quase todos os
países europeus haviam adotado de uma forma ou outra, um regime constitucional,
muito embora quase todos mantivessem aristocratas como Chefes de Estado. Nas
artes plásticas o classicismo foi esmagado pelo impressionismo – a impressão
pessoal sobrepõe o visão idealizada – na música fenômeno semelhante ocorre,
Mozart, o perfeito compositor sob contrato, gênio a serviço das cortes monárquicas,
infeliz e frustrado na sua vida pessoal, mas que compunha as mais alegres
musicas de dança de salão para a aristocracia (embora fosse obrigado a entrar
nos palácios pela porta dos fundos quando tinha que reger a orquestra, em
festas aristocráticas) é sucedido em
poucas décadas por Chopin, um gênio de igual talento mas com uma diferença
abismal para com seu antecessor, Frédéric Chopin compunha para si mesmo. A dor
íntima e a nostalgia de sua terra natal expressas em seus noturnos e mazurcas são
os sons do individuo que se expressa ao mundo enquanto figura única, não como
instrumento ou representante de uma classe social em específico.
Transformações tão drásticas repercutiram
fortemente no meio artístico, pois as artes nada mais são que o reflexo
subjetivo do tempo em que são criadas. As novas necessidades e percepções
estéticas provocaram o surgimento de uma forma de expressão até então inédita,
a fotografia. A fotografia capta a realidade, encapsula o tempo e liberta a
pintura, que não mais tendo o dever milenar de reproduzir em tinta a realidade
pode alçar voos muito peculiares e pessoais (levando em consideração os avanços
na área da psicologia, o século de Freud), Dali e Picasso talvez
sejam os mestres da representação onírica e subjetiva na pintura, embora o
movimento surrealista como um todo possa ser visto como a pintura voltada para
a alma do autor, ao invés de voltada para fora, tentando capturar a realidade.
A realidade agora seria capturada
à máquina. Em 1826 JosephNicéphore Niépce gravou, utilizando a luz do sol sobre uma placa de
estanho coberta de um derivado de petróleo a primeira fotografia de que se têm
notícias. Nas décadas seguintes a utilização de vapor de mercúrio para a
revelação das fotos tornou o processo muito mais veloz, popularizando
finalmente o processo de obtenção de imagens por fotografia dentro e fora da
França.
No Brasil, um dos primeiros expoentes
dessa nova forma de arte foi um carioca, descendente de franceses chamado Marc Ferrez. Suas obras constituem um rico legado visual de um Brasil que não mais
existe e são portanto um portal para o passado. Fotografou zonas rurais e
urbanas do país, especialmente de seu estado, o Rio de Janeiro entre os
períodos finais no Império e o alvorecer da República.
Suas obras não possuem um tema
central, retratam o Brasil como ele o era. Um interesse forte em temas que
apresentam a vida urbana e as novas tecnologias são tão percebidos quanto as
fotos que retratam paisagens naturais ou escravos em uma fazenda de café. De
certa forma o Brasil de Marc Ferrez, onde o antigo e o novo se contrastam tão
evidentemente não seja tão diferente do nosso Brasil.
Abaixo uma seleção de doze fotos de Marc Ferrez,
sendo que algumas passaram por um rescente tratamento de colorização.
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Vista do Pão de Açúcar tomada do morro da Urca Data: 1912circa. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil |
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Morro do Corcovado |
| Data: 1912circa. | Localidade: Rio de Janeiro, Brasil |
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Pedra de Itapuca |
| Data: 1912circa. | Localidade: Niterói, Brasil |
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O jardim de Rosas |
| Data: 1916circa. | Localidade: Vichy, França |
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Panorama parcial do Rio de Janeiro |
| Data: 1885circa. | Localidade: Rio de Janeiro, Brasil |
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Escravos na colheita do café |
| . Data: 1882circa | . Localidade: Rio de Janeiro, Brasil |
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Cais Pharoux e adjacências (atual praça XV de novembro) |
| Data: 1880circa. | Localidade: Rio de Janeiro, Brasil |
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Largo de São Francisco de Paula |
| . Data: 1895circa. | Localidade: Rio de Janeiro, Brasil |
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Avenida Central (atual avenida Rio Branco) |
| Data: 1906. | Localidade: Rio de Janeiro, Brasil |
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Ponte do Silvestre |
| Data: 1895circa | . Localidade: Cosme Velho, RJ, Brasil |
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Rua do Ouvidor. D | | ata: 1890 | . Localidade: Rio de Janeiro, Brasil |
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Vista do Pão de Açúcar. Data: 1890. Localidade: Rio de Janeiro, Brasil
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Referências fotográficas
http://brasilianafotografica.bn.br
https://ims.com.br