sábado, 15 de junho de 2019

Douradas Gerais - Sociedade, cultura e revolta em Minas Gerais no século XVIII




A região de Minas Gerais ainda hoje possui enormes reservas minerais em seu subsolo, produto final dos processos geológicos em curso desde a formação do planeta a milhões de anos e que ainda despertam o interesse econômico, não raro gerando efeitos devastadores para a natureza e sociedades locais. Durante o período pré-histórico a região já era ocupada por diversos povos como atestam os sítios arqueológicos de Lagoa Santa, Lapa Vermelha, Lapa do Santo entre dezenas de outros. Subsistiam da caça, da pesca, da coleta de vegetais silvestres e praticavam algumas formas primitivas de agricultura, organizando-se ainda em sociedades complexas com divisão de tarefas, crenças religiosas e expressões artísticas próprias. 

Posteriormente a região seria ocupada por grupos indígenas pertencentes ao tronco linguístico Macro-Jê, e com a expansão urbana em outras áreas do país, já durante o período colonial, iniciaram-se ondas migratórias indígenas para a região, onde destaca-se a chegada por exemplo dos índios Botocudos, que ali se instalaram buscando fugir do contato com os portugueses, mais próximos do litoral. 

No final do século XVII, em meio a crise da economia açucareira no nordeste do Brasil colonial, o governo português passa a incentivar a busca pelo ouro no interior no território, colhendo os frutos deste esforço em 1697 com a descoberta de "dezoito a vinte ribeiros de ouro da melhor qualidade", conforme anunciou o então governador do Rio de Janeiro, Castro Caldas. Com a divulgação da descoberta a região passaria a receber um fluxo constante e enorme de imigrantes provenientes de todas as regiões da colônia brasileira, de outros territórios coloniais portugueses, inclusive de Portugal. Pessoas que acorriam para a região alimentando o sonho do enriquecimento fácil e rápido. 

Os recursos naturais e principalmente o ouro e os diamantes de Minas Gerais estavam sendo explorados vorazmente pelos grupos de bandeirantes que os haviam descoberto, no entanto com a chegada de centenas de pessoas provenientes de outras regiões os bandeirantes paulista se veem rapidamente em desvantagem numérica e a tensão cresce rapidamente entre os dois grupos que passam a recorrer a violência para resolver suas disputas sobre os pontos de mineração. O episódio ficaria conhecido como a “Guerra dos emboabas”, sendo emboaba o nome de um pássaro de pernas finas e emplumadas que os paulistas, para ridicularizar os portugueses passam a os chamar, devido as suas vestimentas mais sofisticadas. A chamada Guerra dos emboabas termina com o massacre de dezenas de paulistas e sua expulsão da área de Minas Gerais. O episódio deixou o governo português em alerta, e o fez ver a necessidade de organizar o processo de exploração do ouro e de levar à região uma infraestrutura jurídica para que os constantes conflitos sobre posse de terras, riquezas e direitos de exploração passassem a ser resolvidos através das vias legais.

Após os conflitos iniciais a região rapidamente se urbaniza, surgindo dezenas de vilas e cidades. Para atender as necessidades da população local passam a atuar na região mercadores, artesãos, taberneiros, boticários, cirurgiões-barbeiros, tropeiros etc... Cria-se uma espécie de classe média na sociedade local, composta em grande medida por estes profissionais. 

Cidades como Diamantina, Ouro Preto, Congonhas, Brumadinho, Serro, Mariana e Sabará, apenas para citar algumas parecem surgir do dia para a noite. Nelas a cultura típica mineira começa a tomar forma, na vida e no trabalho de milhares de seus habitantes. Em todas elas a presença da coroa portuguesa através de seus funcionário públicos, mineralogistas, juízes, militares e fiscais é constante. De todo o império português no século XVIII a região aurífera de Minas Gerais é, indiscutivelmente, a mais importante. Nela, estrangeiros são proibidos de entrar, e todos que saem ou entram nas cidades precisam se apresentar as autoridades. O controle é rígido.

Até a década de 1760 aproximadamente, a região viveria seu período de apogeu e glória, com igrejas recebendo adornos em ouro, desenvolvimento em infraestrutura, principalmente em estradas e organização social. 

Afim de ligar todas as cidades da região com os portos do litoral, em especial os de Paraty, Rio de Janeiro e Santos, para que a riqueza seja escoada para Portugal, são criadas uma série de “estradas reais”. Estas estradas, cruzando toda a região de Minas Gerais, possui em sua totalidade 1.630 quilômetros de extensão e foram abertas e mantidas através da exploração da mão de obra escrava. Por elas, ao longo de todo o século XVIII, transitavam os próprios escravos, que trabalhavam em sua abertura ou manutenção, tropeiros, conduzindo “tropas” de animais de carga desde o Rio Grande do Sul ou São Paulo, levando a região alimentos, remédios, ferramentas, roupas e inúmeros outros artigos que seriam vendidos nas cidades mineiras. Destacamentos militares, enviados das cidades do litoral ou mesmo de Portugal para manter a ordem e a fiscalização na área e principalmente o ouro, prata e diamantes minerados no interior a caminho dos portos do litoral. Ao todo, a Estrada Real subdivide-se em quatro principais caminhos sendo eles o Caminho Novo, Caminho velho, Caminho dos diamantes e Caminho Sabarabuçu.

Sistema Tributário


Afim de garantir sua parcela de lucros com a exploração do ouro e demais minerais e gemas preciosas na  área de Minas Gerais, Lisboa passa a organizar um sistema tributário onde destacam-se dois impostos principais cobrados à população local, o quinto e a capitação.

O quinto recebia este nome por incidir sobre o quinto da produção total, no caso de Minas Gerais, da extração de ouro e pedras preciosas. Os minérios extraídos eram encaminhados as Casas de Fundição, onde eram derretidos, separava-se a quinta parte, registrava-se o selo oficial do governo real português nas barras, provando assim que haviam passado pela casa de fundição e haviam sido portanto oneradas pelo quinto.

Outro tributo era a capitação. Este era cobrado sobre a quantidade de escravos que determinada companhia, empresa ou individuo possuía e empregava no trabalho de mineração. O raciocínio do governo português era de que quanto mais escravos se possuísse empregados no trabalho de mineração, mais riquezas seriam extraídas e portanto maior deveria ser os impostos cobrados.

A partir da década de 70 do século XVIII a produção aurífera começa a diminuir devido a dificuldade crescente de se extrair ouro, que começava a escassear. Em face a essa situação, a coroa portuguesa institui a Derrama, uma taxação extra, cobrada anualmente das vilas e cidades mineiras que não conseguissem cumprir a cota de cem arrobas de ouro ao longo do ano. As comunidades que falhassem em arrecadar a quantia necessária seriam tachadas pela derrama, onde os soldados do rei invadiam as casas e fazendas de particulares e confiscavam quaisquer objetos de valor que julgassem necessário para cobrir a diferença entre o que foi extraído de ouro ao longo do ano e as cem arrobas determinadas pelo rei. Extremamente impopular, a derrama seria um dos principais motores das revoltas regionais em especial a Inconfidência.

Inconfidência Mineira


A população das cidades mineiras, revoltada com a cobrança de impostos em especial a Derrama, influenciados também pelos ideais de liberdade trazidos pelo iluminismo francês e observando os ressentes acontecimentos mundiais, em especial a independência dos EUA na América do Norte passaram a buscar formas de resistir ao controle português. Um grupo de habitantes locais, formado majoritariamente por membros da classe média mineira dentre eles poetas, comerciantes, militares e profissionais liberais passaram a imaginar formas de transformar a situação na qual viviam. Em pouco tempo, seus planos se encaminharam para as ideias de independência e criação de uma nova republica na região.


Os planos dos inconfidentes


Inconfidente quer dizer “aquele que trai a confiança”. Este termo foi cunhado tempos depois do ocorrido em Minas Gerais e atribuído aos conspiradores contrários aos mandos da coroa portuguesa. Em sua maioria, eram membros da chamada “elite mineira letrada”, os que tinham certo poder aquisitivo e certo acesso a determinadas informações.

Entre os conspiradores destacavam-se os poetas Cláudio Manoel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, o ex-funcionário público Tomás Antônio Gonzaga, os padres Oliveira Rolim e Carlos Correia de Toledo, o filósofo Álvares Maciel e os militares Francisco de Paula Freire de Andrade (tenente-coronel), Domingos de Abreu Vieira e Joaquim José dos Reis (coronéis), Toledo Pisa (sargento) e o alferes Joaquim José da Silva Xavier.
Os planos eram:


  • Fundar em Minas Gerais um governo republicano independente de Portugal;
  • Construir e manter uma universidade em Vila Rica, além de hospitais e escolas;
  • Permitir e incentivar a implantação de manufaturas no Brasil, proibidas na colônia por decreto real;
  • Transformar São João del Rei na capital do novo país. Tomás Antonio Gonzaga seria o primeiro presidente da República, e eleições para a escolha do novo presidente seriam marcada três anos após a posse.
O movimento revolucionário estava marcado para acontecer no mesmo dia da derrama, e os conspiradores seriam avisados nas vésperas com a senha “Dia tal é o batizado”  onde “tal”, claro, era o dia da derrama.

Os planos não foram à frente pois a derrama, exigida pela Coroa, teve sua ordem suspensa no dia 14 de março de 1789 pelo governador de Minas Gerais, Luis Antônio de Mendonça (o Visconde de Barbacena) e o grupo conspirador foi denunciado no dia 15 de março por Joaquim Silvério dos Reis, Basílio de Brito e Inácio Correia de Pamplona, em troca do fim de suas dívidas para com a Coroa portuguesa.

Joaquim Silvério dos Reis ainda foi mandado ao Rio de Janeiro, onde Tiradentes estava em uma viagem, a fim de encontrá-lo e entregá-lo ao vice-rei Luis de Vasconcelos e Souza. Preso em 10 de maio de 1789, Tiradentes inicialmente negou a participação na conspiração, mas posteriormente assumiu toda a culpa pela “inconfidência”, tentando evitar a condenação dos companheiros, capturados nos dias posteriores à sua prisão.


A sentença dos inconfidentes


Todos os envolvidos — à exceção dos três elementos citados anteriormente que denunciaram a conspiração — foram condenados por crimes de lesa-majestade, definidas como “traição ao Rei”.

Cláudio Manoel da Costa enforcou-se na prisão de Vila Rica, outros presos foram condenados à morte e ao degredo. Mais tarde, por clemência de D. Maria I, todas as sentenças mudaram para o degredo e os presos foram mandados para a África. Apenas Tiradentes foi condenado à forca e sua sentença mantida.

Arte em Minas Gerais


Durante o chamado ciclo do ouro o rápido desenvolvimento urbano da região, somado ao surgimento de uma robusta classe média e a enorme riqueza extraída da região possibilitou o surgimento de uma cultura artística típica e inconfundível, o barroco mineiro. Influenciados tanto pelo barroco europeu, em voga neste momento histórico, quanto pela mistura racial típica do Brasil, os artistas da região promoveriam o surgimento de uma vertente verdadeiramente única do movimento barroco que ficaria conhecido como barroco mineiro.

Nas artes plásticas destacam-se o trabalho do Mestre Ataíde e de Aleijadinho. O primeiro, pintor, trabalhou principalmente com a arte sacra, decorando o interior de igrejas, mosteiros, conventos e catedrais. Habilidoso no emprego de luzes e tons diferenciados bem como na criação de perspectivas de espaço. Aleijadinho por sua vez trabalhou junto com Ataíde em uma diversidade de igrejas, esculpindo estátuas, painéis, lavatórios, pias batismais, altares entre outras coisas. Suas representações de anjos e dos apóstolos são consideradas obras importantíssimas não apenas pela qualidade técnica mas também por representar tais personagens com traços tipicamente brasileiros.

Em termos de música o predomínio era das obras sacras, para serem executadas em festividades religiosas e missas. A musicalidade popular também estava presente em cantigas e músicas de festa, bem como a sonoridade típica das culturas africanas que ali se encontravam devido a migração forçada da escravidão.

Ainda dentro do universo cultural do barroco mineiro destacam-se a poesia, as danças e demais expressões culturais populares, incluindo a culinária, símbolo da região até os dias de hoje.

Conclusão


Colonial O apogeu da mineração no Brasil Colonial ocorreu na primeira metade do século XVIII, alcançado seu ponto máximo em torno de 1760. O ouro provocou grandes transformações na colônia contribuindo para o povoamento do interior e o crescimento demográfico do Brasil. Levou à fundação de numerosas vilas e cidades e, com elas, a proliferação de profissionais das mais diversas áreas que passaram a formar um núcleo urbano de classe média, possivelmente o primeiro na sociedade colonial brasileira. O ouro permitiu construir igrejas imponentes e revestiu seus altares e tetos. Mas enriqueceu poucos. A riqueza acabou se acumulando de fato nas mãos dos comerciantes, locais e forasteiros. A pobreza marcou a sociedade mineradora como bem analisou Laura de Mello e Souza. Esgotadas as minas, o declínio foi relativamente rápido e, em 1780, a renda da mineração era menos da metade do que fora no auge. A queda da extração aurífera, contudo, não acarretou uma decadência econômica, como afirmava a visão tradicional. A economia mineira, a partir da segunda metade do século XVIII, diversificou-se com a produção de alimentos, atividades artesanais e um vigoroso comércio.





As cidades mineiras conservam a arquitetura colonial do século XVIII


Pelos caminhos da Estrada Real circulava boa parte da riqueza do império português


O barroco mineiro pode ser encontrado nas igrejas, muitas delas ornamentadas com obras do mestre Aleijadinho

A pintura em perspectiva do teto da igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, é um exemplo da genialidade do mestre Ataíde, pintor que trabalhou com Aleijadinho em diversos projetos. 



Um comentário:

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